terça-feira, 28 de abril de 2009

Apoio

Na última estante: literatura brasileira

Em nota, famoso poeta pernambucano dá seu apoio ao projeto Euclides e critica a postura da sociedade em relação à literatura brasileira.

Cyl Gallindo, escritor, jornalista, poeta e conferencista, autor de diversos livros premiados, pernambucano e Euclidiano Aguerrido; publicou nota de apoio ao projeto 100 anos sem euclides no blog de Luiz Erthal, Toda Palavra. Esse espaço vem registrar aqui tal manifestação com orgulho de saber a importância que a iniciativa em torno da memória de Euclides vem ganhando.

Revelar-me surpreso seria infantilidade. Não é apenas Euclides, de quem sou devoto, somos todos os brasileiros que dedicamos as nossas vidas à Literatuera e à Cultura de maneira geral.
Basta ver as livrarias deste País: na entrada, deparamos com dezenas de estantes dedicadas a Literatura Estrangeira, Autoajuda, Filosofia, FUTEBOL, BBB e Sanitários, para lá no fim encontrarmos Literatura Brasileira. Isto não quer dizer que conste qualquer nome (o que é compreensível), mas pelo menos bons nomes. Não, amigos, as editoras só publicam os nomes que cairam em “domínio público”, porque uma das obrigações mais impensadas do editor brasileiro é pagar “Direitos Autorais” - o que significa destinar 10% do preço de capa de uma obra para o seu autor.
E não pense que as universidades agem diferente. Elas nos convidam para fazer uma palestra por um tão somente “muito obrigado”, como se estivessem nos fazendo um favor.
Da mídia, nem falo. Que televisão brasileira dedica um minuto para divulgação de uma obra de autor brasileiro? As revistas de circulação nacional estampam semanalmente dezenas de obras, todas traduzidas, que ocuparão as estantes das livrarias.
Quem fala mais em Drummond, Gilberto Freyre, Vinícius de Morais, Mauro Mota? Com Euclides não é diferente, um autor capaz de revelar o Brasil.

Parabéns pela frente de batalha recém-instalada.

Abraços,
(assina Cyl Gallindo)

Livro do projeto

Euclides em Quatro Cantos de Paraty

Livro "Quatro Cantos de Euclides" ganha apoio do governo e será dramatizado durante famosa feira literária

O projeto "100 Anos Sem Euclides" conquistou uma vitória esta semana: a legitimação pelo Ministério da Cultura do sub-projeto "Quatro Cantos de Euclides", livro de literatura infanto-juvenil do escritor Thiago Cascabulho. O projeto do livro foi autorizado a captar recursos via Lei Rouanet no último dia 22 de abril. O escritor Thiago Cascabulho esabeleceu uma parceria com um grupo de teatro de Paraty que se interessou em encenar o texto de "Quatro Cantos de Euclides", durante a FLIP (Feira Literária Internacional de Paraty), a partir de primeiro de julho. A ideia é fazer uma "procissão euclidiana", levando para a praça e para as ruas da bucólica cidade do sul fluminense as belas cantigas do livro, em perfórmance teatral com mais de 50 atores. Os quatro cantos referem-se às várias fases da vida e da obra de Euclides da Cunha, cantadas em ritmos bem brasileiros. Na primeira parte, em ritmo de capoeira regional e maculelê, o escritor Thiago Cascabulho apresenta a personagem sertaneja que tanto encantou Euclides, em versos aflitivos: 

"Ê, sertão! O sertanejo é forte! Lá foi o meu chinelo No meio da consfusão. Foi minha família De fome ou de facão. Foi minha cidade Na boca do canhão." 

Na segunda parte, Cascabulho convida os leitores a cair no samba de roda, teatralizando a vida errante de Euclides, da infância até a profissão de engenheiro. Em ritmo de baião, apresenta a escrita euclidiana do sertão nordestino, através de passagens clássicas de "Os sertões". Na terceira parte, uma moda de viola introduz a passagem de Euclides pela Amazônia, onde "As saudades escorrem / Como a borracha / Sai da seringueira". A quarta e última parte celebra em uma ciranda o Euclides escritor e a carga lírica presente em sua poética: 

"A palavra alevanta, É alavanca forte. E no homem transfigura O fraco em humanidade. (...) A palavra sempre volta Alente esta verdade Quem por ela doa a alma Ascende à eternidade."

Thiago Cascabulho pretende concorrer ao prêmio instituído pela ABL (Academia Brasileira de Letras) que contemplará o melhor livro escrito sobre Euclides entre 1999 e 2009. O livro "Quatro Cantos de Euclides" vai sair ainda este semestre e será trabalhado nas escolas da região de atuação do Projeto "100 Anos Sem Euclides", com didática pensada em parceria entre a UFRJ e o autor. As canções que compõem o livro já foram gravadas e poderão ser distribuídas em CD junto com o material impresso. 

O livro encontra-se em fase de preparação das ilustrações e até setembro estará disponível para download no site do Projeto "100 Anos Sem Euclides". A fase de captação de recursos para a impressão de 10 mil exemplares da obra começa já. Assim que estiver disponível, os alunos das escolas de Cantagalo, Cordeiro, Macuco, Bom Jardim, Nova Friburgo e cidades próximas poderão conhecer a vida e a obra de Euclides da Cunha através de um trabalho de extrema beleza e sensibilidade realizado por Thiago Cascabulho. 

Espetáculo Quatro Cantos de Euclides


No último domingo, 28 de abril, reuniram-se em Paraty o escritor Thiago Cascabulho; os representantes do Coletivo teatral Sala Preta, Rafael Crooz, Bianco Marques e Danilo Nardelli; o produtor cultural Marcelo Bravo; os agitadores culturais Ailton e Tatiana Lima; o Diretor Cultural da Casa de Cultura de Paraty Marcio Franco e a professora Nathalia Cianni para discutir a apresentação da adaptação para o teatro do livro Quatro cantos de Euclides durante a FLIP de 2009.

O espetáculo, que percorrerá as ruas da cidade histórica e contará com a participação de 60 artistas, tem data prevista para a noite de 04 de julho – sábado. A festa começa com uma grande roda de capoeira e maculelê diante da Igreja do rosário. Depois, os artistas e os espectadores partem em procissão para a casa de cultura, onde uma roda de samba espera. Dali, seguem para a igreja da matriz para ver o baião que fala sobre Os Sertões. Durante a travessia do rio Perequê-açú, nasce a moda de viola que canta a Amazônia de Euclides e dá o norte para o destino final do espetáculo: uma roda de ciranda, ao lado da tenda dos autores.

Na manha do dia 29 de abril, Thiago Cascabulho apresentou a proposta de parceria para a coordenadora pedagógica da Flipinha, Gabriela Gibrail, que abraçou a idéia: o espetáculo Quatro Cantos de Euclides participará da programação oficial da Flip 2009.

No momento, o produtor cultural Marcelo Bravo levanta os dados técnicos necessários para a apresentação, para repassá-los à coordenação da FLIP. Enquanto isso, o Coletivo teatral Sala Preta agenda o início dos ensaios.

segunda-feira, 27 de abril de 2009

Conferência, parte 3.2 - final

Os passos de Euclides

No pen clube, Edmo Lutterbach encerra sua conferência falando sobre o auge e a prematura morte de Euclides da Cunha.

No ano 1884 ingressa na Escola Politécnica e, em 1886, é o cadete n° 308 da Escola Militar.   Excluído ao final de um biênio, parte com destino a São Paulo, volvendo em 1889, e ocorre sua reversão ao Exército. Em 20 de janeiro de 1891, vinte e nove de janeiro, obtém um mês de licença para tratamento de saúde e se retira para a Fazenda Trindade, de propriedade de seu pai, localizada em Nossa Senhora do Belém do Descalvado, interior de São Paulo, onde sofre a perda de sua filha Eudóxia, com poucas semanas de vida.

No ano 1892, conclui o curso de Estado-Maior e engenharia militar da Escola Superior de Guerra, em 8 de janeiro e recebe o Diploma de bacharel em matemática e ciências físicas e naturais no dia 16; e nomeado engenheiro praticante na Estrada de Ferro Central do Brasil – trecho São Paulo/Caçapava. Decorrido um biênio vai residir em Campanha (Minas Gerais), e na cidade mineira, nasce, em 11 de novembro, um filho, que recebeu o nome de Sólon Ribeiro da Cunha, em homenagem ao avô.

Deixa Campanha em 1895, rumo a Belém do Descalvado, Estado de São Paulo; pisa em 1897 nos sertões da Bahia para documentar a guerra de Canudos, adido à comitiva militar do Ministro da Guerra, Marechal Machado Bittencourt, como correspondente do jornal Estado de São Paulo. Aproxima-se de Queimadas a 1° de setembro; a 4 desse mês parte com destino a Monte Santo, aonde chega a 7, depois de percorrer Tanquinho, Cansanção, Quirinquiquá. No dia seguinte continua a viagem para Canudos, e  chega a 16. Acompanha o desenrolar da luta e, em outubro, torna a Salvador. Aí permanece dias; torna ao Rio. 

Em dezembro busca a fazenda do pai, no interior paulista. No ano 1898 profere, no Instituto Histórico de São Paulo, a conferência sobre a Climatologia na Bahia e segue para São Jose do Rio Pardo, no Estado de São Paulo, a fim de reconstruir uma ponte. No mês de novembro está em São Carlos do Pinhal e, em dezembro, removido para Guaratinguetá. Estabelece residência em Lorena, 1902, ano do lançamento de OS SERTÕES, livro que o conduziu, em 21 de setembro, à Academia Brasileira de Letras e ao Instituto Histórico e Geográfico dois meses à frente, com o beneplácito da crítica.   

Está com 37 anos de idade.    

Continuemos: instala-se no ano 1904 em Guarujá: é engenho-fiscal das Obras de Saneamento de Santos. No mês de abril exonera-se e a 9 de agosto, Rio Branco – o homem que ele admirava com toda  “sua majestosa gentileza”, homem de quem se aproximava “sempre tolhido, e contrafeito pelo mesmo culto respeitoso” e com quem conversava, discutia, franqueando-lhe o Barão “a máxima intimidade”, mas não havia meio de “considerá-lo sem as proporções anormais do homem superior à sua época – Rio Branco o nomeia Chefe  da Comissão do Alto Purus, o que o obrigou partir para Manaus a 13 de dezembro daquele 1904. 

A 15 de maio de 1905, alcança a boca do Acre. Volve ao Rio – 1906, e a 18 de dezembro empossa-se na Cadeira n° 7, da Academia Brasileira de Letras, patronímica de Castro Alves. 

Publica, no ano 1907, CONTRASTES E CONFRONTOS, também PERU VERSUS BOLÍVIA. A 2 de dezembro está no Centro Acadêmico 1 de Agosto, em São Paulo, proferindo a conferência Castro Alves e seu tempo. Conclui À MARGEM DA HISTÓRIA, 1908 e em 1909, submete-se ao concurso de Lógica do Ginásio Nacional. No mês de julho é nomeado para o cargo de catedrático; ministra a primeira aula a 21, e a última, em 13 de agosto. A 15 desse mês e ano, aos 43 anos, 6 meses e 27 dias, teve sua existência interrompida.

Sua morte abalou o Brasil; enlutou a cultura pátria.A primeira notícia divulgando a tragédia fora feita pelo então deputado Coelho Neto, na Câmara. Coelho Neto, o primeiro a ser chamado à Estrada Real de Santa Cruz, 214, para certificar-se do consternador episódio. 

No dia imediato, traduziu ele, naquele legislativo, sua fortíssima emoção, ao encontrar, “sobre uma cama de ferro, coberto por um lençol enxovalhado, o cadáver de Euclydes”. E confessou: “pareceu-me, de improviso, que eu estava entrando, páginas a dentro, pela obra do grande mestre grego, tendo à frente de meus olhos o episódio de Átrides; era um trecho de Oréstia, tal a grandeza da tragédia.”   E sentindo faltar-lhe, quase, as expressões, exortava que o Brasil acompanhasse o grande espírito de Euclydes da Cunha, como o povo de Israel acompanhava a ascensão dos anjos – primeiramente para o céu de Deus –, em que haveria de ficar perenemente vivo o espírito que residiu no corpo do homem mártir desaparecido.  É com grande saudade – prosseguiu – “é com grande saudade que eu, amigo de Euclydes da Cunha, falo à Câmara dos Deputados: é com pesar que eu, brasileiro, me refiro a este nome; é com gratidão de sertanejo, com a minha alma de filho das terras interiores deste país, que agradeço àquele beneficiador dos simples, um livro primoroso”.  

José Maria da Silva Paranhos do Rio Branco, em carta pai de Euclydes, externou-lhe a sua dor, o seu sentimento:      “Atordoado pela nossa grande desgraça do dia 15, não pude dirigir-lhe antes palavras de amizade, de simpatia e de conforto; o terrível golpe que feriu seu coração de pai, feriu igualmente o meu coração de amigo e sincero admirador dos grandes dotes intelectuais e morais do seu nobilíssimo filho; sei quanto perdi de sincero afeto com o desaparecimento desse bom amigo e companheiro de trabalhos; sei o quanto de esperanças fundadas perdeu o Brasil (Rio Branco e Euclydes da Cunha, Imprensa Nacional, 1946, p. 73).     

Posteriormente, ainda em 1909, Rio Branco, fazendo o necrológio de Euclydes no Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, enalteceu-o com o título de “intrépido explorador do Alto Purus; homem que tanto prometia enriquecer ainda a nossa literatura, homem de delicado pundonor que sempre foi, e cuja pureza de sentimentos e alto valor intelectual pude conhecer de perto nos breves anos de convivência e de estudos, de trabalhos e de esperanças patrióticas, homem que foi vitimado, no vigor da idade, numa terrível tragédia”. 

Também nós, cem anos depois, repetimos com idêntica franqueza as palavras de Rio Branco: também nós sabemos o quanto de esperanças fundadas perdeu o Brasil com a morte do extraordinário fluminense que se chamou Euclydes da Cunha.             


Conferência, parte 3.1

Euclides e os sertões

Fala o conferencista brevemente sobre a obra máxima do cantagalense Euclydes

Muito se tem escrito sobre Euclydes e sua obra, especialmente aquela com que premiou ele a literatura universal: OS SERTÕES, tinta bastante foi derramada em louvor a esse monumento, que completará, no dia 2 de dezembro de 2009, cento e sete anos de leitura.

(...)

Estudamos, lemos e relemos trabalhos de críticos, assistimos conferências, participamos de debates e concluímos não ser fácil ou, com outras palavras, ser difícil, dificílimo, em oportunidades como esta, surpreender os ouvintes com alguma coisa nova em torno do nosso co-estaduano e de OS SERTÕES  já traduzido para o espanhol, o alemão, o italiano, o francês, o sueco, o dinamarquês, o inglês, o chinês, o japonês, o holandês, o russo.

(...)

Finalmente, na silenciosa Fazenda da Saudade realizamos, mesmo sem a compreensão necessária, sem a capacidade suficiente (esta ainda nos falta), a leitura de OS SERTÕES, tido como um dos documentos intelectuais mais altos da América; o de maior fundo humano e de mais pungente e bela forma literária (...).

A  TERRA, capítulo  inicial, preenche cinqüenta e duas páginas com descrições fantásticas. Investigando-as, constatamos, de imediato, um quadro magnífico, impressionante, contendo episódios alegres e tristes e concluímos que a delicadeza do pincel de Pedro Américo não nos ofereceria melhor, ou semelhante como aquele atentamente contemplado do alto do Monte Santo, por Euclydes, registrado a páginas vinte e quatro: “Nada mais dos belos efeitos das desnudações lentas, no remodelar os pendores, no despertar os horizontes e no desatar – amplíssimos – os gerais pelo teso das cordilheiras, dando aos quadros naturais a encantadora grandeza de perspectivas  em que o céu e a terra se fundem em difusão longínqua e surpreendedora de cores...(Laemmert & C. Editores, 2ª. Ed. 1903).

Victor Meirelles [Ligado ao Romantismo brasileiro, ocorrido na segunda metade do século XIX, o pintor Victor Meirelles ganhou notoriedade a partir da década de 1870, ao lado de Pedro Américo e Almeida Júnior, fonte: wikipédia] também não pincelaria um panorama com tanta venustidade, ainda que volvendo, qual Euclydes, o olhar “para os céus, sem nuvem! O firmamento límpido arqueia-se alumiado ainda por um sol obscurecido de eclipse”. 

Possivelmente conhecia esta dissertação belíssima o porta-voz da Academia Brasileira de Letras, Silvio Romero, para afirmar, ao abrir-lhe as portas da imortalidade: “
Estudaste a terra, Sr. Dr. Euclydes da Cunha, estudastes a terra, sua organização, seus aspectos, sua flora, seu clima, seus padecimentos, e tomastes nas mãos a mor porção dos fios invisíveis com que ela prende o homem e o faz à sua imagem e semelhança.”

(...)

Euclydes sempre se mostrou um eterno simpatizante da natureza. Concluiu que aquela noção abstrata da pátria era fascinante, capaz de consolar os que se afastam de seu convívio residencial tranqüilo,  expondo-se às batalhas perigosas.

(...) 

A natureza era-lhe o enlevo do coração, percepcionou Coelho Neto. Quando descreve a seca – constatamos –, é  rigoroso, mas a tragédia apontada desaparece diante dos recursos estilísticos do primoroso artista, com sua facilidade inimitável de arquitetar expressões. A tragédia da seca horroriza; todavia, a impressão que nos fica, mais acentuada, não é a de pavor. É a impressão confortadora de ter encontrado um estilista que narra episódios tristes sem nos deixar acabrunhados, porque consegue temperar a rusticidade de alguns acontecimentos com a chama viva, crepitante, de um estilo em variações esplendentes. 

Vemos a seca, descrita por Euclydes, nitidamente, não em tela, mas no original; não através de lentes, e sim da leitura fascinante, graças à pena delgada, maleável, do artista genial, cuja perfeição chega ser sublime.

E caminhemos para a segunda parte do livro: O HOMEM. Maior número de páginas trata do assunto. Cento e trinta, precisamente. A complexidade do problema etnológico no Brasil; a gêneses dos jagunços; o sertanejo; Antônio Conselheiro, são temas que reclamam leitura sem pressa.

A LUTA – terceira parte, está enfeixada em trezentas e cinqüenta páginas outras, numa linguagem igualmente bela.  Na introdução do livro CANUDOS – diário de uma expedição, 1959), Gilberto Freyre afirmou que Euclydes foi  “um escritor adiantadíssimo para o Brasil de 1900; escritor fortalecido pelo traquejo científico, enriquecido pela cultura sociológica, aguçado pela especialização geográfica.
 
Esse Euclydes que, quase sempre viveu isolado, afastado do conforto, dos amigos, das bibliotecas, sem permanência prolongada nos recantos por onde passou; não esquentava lugar. Teve, porém, recursos armazenados em sua inteligência para produzir tanto.  

Conferência, Parte 2

Nem todos os homens só são grandes depois de sua morte

Nessa segunda parte, em continuidade à cronologia, Edmo Lutterbach tece comentários importantes sobre nosso autor.
            
Neste ano 2009 é celebrado o centenário de morte de Euclydes; e o filho daquela herdade ainda é citado no meio cultural brasileiro e de outros pólos. Sua reputação, como escritor, atravessou fronteiras e conquistou o respeito de intelectuais de vários Continentes. Seu nome imortalizou-se. Pouquíssimas vidas têm ensejado tantos estudos quanto à sua, num período de mais de cem anos. Mais de cem, dizemos, porque foi em 1897 que Euclydes apareceu no cenário das letras, publicando artigos no jornal O Estado de São Paulo, (o primeiro, em 14 de março e o segundo, em 17 de julho), sob o título “A Nossa Vendéia”.

Mudou de residências, percorreu municípios, atravessou divisas municipais e estaduais, sem pouso demorado, enfrentando dificuldades sérias. Venceu-as; e por sua luta, coragem e capacidade, tornou-se escritor de renome. Se teve infância, juventude e mesmo mocidade infeliz, um futuro triunfante o aguardava. Conhecido se tornara aos 22 anos, no surpreendente episódio do desfile da Escola Militar da Praia Vermelha; exsurgiu aos 31, como repórter de Canudos; notabilizou-se aos 36, recebendo aplausos da elite intelectiva do país, com a publicação de Os  Sertôes  – livro que o elegeu para a jovem Academia Brasileira de Letras, com apenas cinco anos de funcionamento, instalada em 20 de julho de 1897; e para o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Instituição já sexagenária à época, pois criada em 1838.

Antes dos 39 anos projetara-se como Chefe de uma importante e delicadíssima missão: a do Alto Purus. Ascendeu mais: em 1907, quando circularam seus livros CONTRASTES E CONFRONTOS  e  PERU VERSUS  BOLÍVIA e  nos exames do  Ginásio Nacional, em 1909. A nossa fascinação por Euclydes da Cunha nos levou à leitura do que ele produziu e de tudo a seu respeito publicado, foi dito. Não está vinculado aos laços que poderíamos chamar de conterraneidade; nossas atenções voltam-se constantemente para Euclydes e para a herdade onde ele abriu os olhos, local em passamos a nossa infância e parte da adolescência – a Fazenda da Saudade –, “recanto de nome poético, impregnado de sentimento bem brasileiro”, na lúcida definição de Moisés Gicovate.

Aquele local foi o nosso mais encantador Olimpo e com ela sempre sonhamos. Lá conhecemos o Euclydes poeta, através de Ondas, poesias escritas por volta de 1883, quando o registro de nascimento do aedo acusava dezessete anos. 

Naquele retiro modesto, percorremos as 260 páginas de CONTRASTES E CONFRONTOS, (a íntegra desses textos pode ser encontrada no sítio domínio públicodesde  “Heróis e bandidos”, até  à “civilização”, ultimando a leitura, tão maravilhados quanto Pereira Sampaio, notamos que “sua prosa tem ar duma conversação erudita, mas familiar, ponderada e concomitantemente espontânea; daí o agrado da leitura que, a espaços, chega ao encanto.”

Chegamos a CANUDOS – Diário de uma Expedição e com semelhante interesse tivemos sob os olhos os artigos escritos no período – 7 de agosto a 1° de outubro de 1897. Não foi menor a emoção.

Abrimos, em seguida, À MARGEM DA HISTÓRIA [ - - Famoso e desempregado em 1904, Euclides da Cunha foi nomeado chefe da Comissão Brasileira de Reconhecimento do Alto Purus. Após percorrer uma parte da Amazônia, pretendia escrever um livro intitulado Um paraíso perdido. Através da análise dos "ensaios amazônicos", dos relatórios técnicos, da correspondência pessoal e das anotações de leituras. A morte, em forma de drama passional, no ano de 1909, chegou antes que fosse concretizada a sua pretensão, e "os ensaios amazônicos são o aspecto menos conhecido de sua obra. Encontram-se dispersos em artigos e entrevistas de jornal, em crônicas e prefácios, em sua correspondência particular e oficial, além dos relatórios técnicos da viagem. Tudo isso forma a compilação À margem da história, na íntegra pelo sítio domínio público - -],  ensaio do qual Euclydes conheceu apenas as provas tipográficas. Recebeu-as ele no dia 24 de julho de 1909, e as devolveu no dia 25, revistas, muito perturbado com a nova grafia; e não a viu publicada, o que ocorreu só após sua morte. É livro esplêndido. Adorna, do incipit ao explicit, isto é, do princípio ao fim.   

Em “Impressões gerais” nos deixa extasiados, tão logo  descobrirmos o asserto do geólogo-geógrafo, quanto à Amazônia, diz ele, “talvez a terra mais nova do mundo, consoante as conhecidas induções de Wallace e Frederico Hart. Nasceu da última convulsão geogênica que sublevou os  Andes, e mal ultimou o seu  processo  evolutivo como as várzeas quaternárias que se estão formando e lhe preponderam na topografia instável”.  

(...)  

Avançamos: ao  entrar  nos “Rios  em  abandono”, ficamos  arrebatado, qual “o aventureiro romântico e o sábio precavido”.  Nosso entendimento, com a belíssima descrição do que fora observado naquele solo imenso, que impressiona e desafia as pesquisas dos geógrafos, dilatara-se como a visão cosmogênica do estilista, pois pareceu-lhe que, na Amazônia, o homem “é ainda um intruso impertinente, chegou sem ser esperado nem querido, quando a natureza estava arrumando o seu mais vasto e luxuoso salão.”  

Alcançamos “Um clima caluniado” e, com disposição atrevida, chegamos ao ponto último da obra. Só uma coisa nos faltou: Ânimo para fechá-la. E sob o impacto de tanta beleza, tentamos estabelecer confrontos, abrindo o Inferno Verde, de outro notável engenheiro: Alberto Rangel [Alberto do Rego Rangel nasceu no Recife em 29 de maio de 1871. Faleceu em Nova Friburgo (RJ) em 14 de dezembro de 1945. Obras principais: Fora da forma, opúsculo (Rio de Janeiro, 1900); Inferno verde: cenas e cenários do Amazonas, com prefácio de Euclides da Cunha (Rio de Janeiro, 1908); Sombras n’água (Leipzig, Alemanha, 1913); Quando o Brasil amanhecia (fantasia e passado) (Lisboa, 1919); Livro de figuras (Tours, França, 1921); Lume e cinza (Rio de Janeiro, 1924); Textos e pretextos (Tours, 1925); Papéis pintados (Tours, 1928); Fura-mundo: contos (Tours, 1930), textos do autor no sítio Call.org].  Repassando as vinte e duas páginas iniciais, contendo o prefácio de Euclydes, salienta o primeiro crítico da obra, que  a “Amazônia, ainda sob o aspecto estritamente físico, conhecemo-la aos fragmentos.”. E adita: “Escapa-se-nos de todo a enormidade que só se pode medir, repartida; a amplitude, que se tem de diminuir para avaliar-se; a grandeza que só se deixa ver, apequenando-se, através dos microscópios; e um infinito que se dosa a pouco e pouco, lento e lento, indefinidamente, torturadamente”.  Afirma, sem temor de revide, que “a inteligência humana não suportaria, de improviso, o peso daquela realidade portentosa. Terá de crescer com ela, adaptando-se-lhe para dominá-la. Atesta-o o exemplo de Walter Bates – continua –, que ali assistiu mais de um decênio, “realizando descobertas memoráveis, mas sem sair da estreita listra litorânea desatada entre Belém e Tefé”, surpreendendo os Institutos da Europa, conquistando a admiração de Darwin, sem esgotar o “recanto apertadíssimo em que se acolhera. 

Não vira a Amazônia, viu apenas mais que os seus predecessores”.  Mas é natural, tranqüiliza-se. A terra ainda é misteriosa. O seu espaço é como o espaço de Milton [John Milton (9 de dezembro de 1608 - 8 de novembro de 1674) foi um escritor inglês, um dos principais representantes do classicismo de seu país, e autor do célebre livro O Paraíso Perdido, um dos mais importantes poemas épicos da literatura universal --- Fonte: Wikipédia]: esconde-se em si mesmo. Vai além: Anula-a a própria amplidão, a extinguir-se, decaindo por todos os lados adstrita à fatalidade geométrica da curvatura terrestre, ou iludindo as vistas curiosas com o uniforme traiçoeiro de seus aspectos imutáveis. Para vê-la, adverte o prefaciador, deve renunciar-se ao propósito de descortiná-la. Tem-se que a reduzir, subdividindo-a, estreitando, e especializando, ao mesmo passo, os campos das observações. 

No prólogo anunciado, Euclydes descreve o que leu no trabalho de Rangel e ele próprio viu, naquela “terra misteriosa”, onde o homem “é estrangeiro, embora pisando em terras brasileiras”, passando ao papel, as impressões captadas.  

Um sábio no-la desvendaria – são palavras suas –,”sem que nos sobressalteássemos, conduzindo-nos pelos infinitos degraus, amortecedores, das análises cautelosas. O artista atinge-a de um salto, desvendando-no-la na esplêndida nudez da sua virgindade portentosa.  Não se esqueceu de advertir: é a terra moça, a terra infante, a terra em ser, a terra que ainda está crescendo. Agita-se, vibra, arfa, tumultua, desvaira. Realmente, “a Amazônia é a última página, ainda a escrever-se, do Gênesis”.

(...)

(segue a parte final, sobre os sertões)  

quinta-feira, 23 de abril de 2009

Conferência

Euclydes da Cunha, “o bastião libertário iluminado pelo Sol da inteligência”

Edmo Lutterbach fala em colóquio sobre a infância e Juventude do autor de Os Sertões, no Pen Clube, no Rio.

Em conferência proferida no dia 15 de abril de 2009, no Pen Clube do Brasil, no Rio de Janeiro, o Ilustre Dr. Edmo Rodrigues Lutterbach, da Academia Fluminense de Letras, nos brindou com seu conhecimento falando sobre a infância e a adolescência de Euclides da Cunha, a quem chamou de “o bastião libertário iluminado pelo Sol da inteligência”. As impressões do Dr. Edmo sobre o escritor são dignas de especial interesse, posto que ele morou na Fazenda da Saudade, em Cantagalo, no Rio de Janeiro, onde Euclides nasceu. O Colóquio Centenário Euclides Da Cunha tem conferências às Quartas-feiras, às 18h, na sede do PEN Clube do Brasil, Praia do Flamengo, 172 - 11o andar - Flamengo - Rio de Janeiro, informações: (21) 2556-0461, E-mail penclube@ig.com.br. O Blog do projeto saúda o conferencista e parceiro da iniciativa e apresenta aqui uma edição de sua conferência em três partes, segue a primeira delas

Como foi a infância, a adolescência, a mocidade, a vida, enfim, interrompida aos 43 anos, 6  meses e 27 dias, do Euclydes?

Contava 3 anos, seis meses e 4 dias quando perdeu a mãe, Eudóxia Moreira da Cunha, falecida em 1° de agosto de 1869. Órfão, foi ele levado, com a irmã Adélia, que nascera em 9 de agosto de 1868, para a casa dos tios maternos, Rosinda e Urbano, que residiam em Teresópolis.

Falecendo Rosinda, é Euclydes conduzido para a Fazenda São Joaquim, no Município de São Fidelis, pertencente a outros tios maternos: Laura e Cândido José de Magalhães Garcez, No Instituto Colegial Fidelense daquela cidade, se inicia o garoto de oito anos seus estudos.

Decorridos três anos, 1877, passa à residência da avó paterna, na velha cidade da Bahia de Todos os Santos, futura Salvador, e é colocado no Colégio Bahia, ao tempo dirigido pelo grandíssimo mestre de Ruy Barbosa, Ernesto Carneiro Ribeiro e o Cônego Lobo. 

Dois anos adiante, 1879, vem para o Rio de Janeiro, passando a residir na casa do tio paterno Antônio Pimenta da Cunha – no Largo da Carioca; e estuda nos Colégios Anglo-Americano, Vitório da Costa e Menezes Vieira. Um quatriênio depois entra para o Colégio Aquino, onde tem por professor o inesquecível niteroiense Benjamim Constant Botelho de Magalhães. 

Presta, no ano 1885, exames na Escola Politécnica, na qual ingressa, mas assiste aulas somente por um ano. No mês de fevereiro de 1886, matricula-se no curso de Estado-Maior e engenharia militar da Escola Militar, aí conhece Alberto Rangel, Lauro Müller, Cândido Mariano da Silva Rondon e Tasso Fragoso. 

A 4 de novembro de 1888, é anunciada a chegada de José Lopes da Silva Trovão, da Europa, dia de folga dos alunos, e haviam eles combinado prestar uma homenagem ao extraordinário tribuno republicano (nota do Blog: em um tempo em que se discutia a mudança da monarquia para a república no Brasil - no ano seguinte sairia vitoriosa a forma de governo republicana). 

Tomando ciência do que ocorria, o comandante da Escola, General José Clarindo de Queiroz, marcou inspeção na mesma, a fim de impedir que participassem eles do acontecimento, o que os contrariou muito, e o cadete Euclydes declarou aos companheiros que a medida do General não ficaria sem um protesto. À hora da revista às tropas, pelo Ministro da Guerra, Tomás Coelho, percebeu Euclydes que os colegas se esqueceram do pacto firmado, não se insurgindo contra o ato do Comandante da Escola, que impediu que comparecessem os alunos ao desembarque de Lopes Trovão. Ao chegar a sua vez, destemidamente ameaça quebrar o sabre no joelho e o atira ao chão. Foi retirado de forma, recolhido a uma enfermaria do hospital do Exército; em seguida, recolhido à Fortaleza de Santa Cruz, em Niterói, e desligado do Exército. Nesse ano, Júlio de Mesquita, diretor do jornal A Província de São Paulo (atual O Estado de São Paulo), o convida para escrever sobre a campanha republicana. 

Viaja, Euclydes à capital paulista, contudo regressa no ano imediato. No dia 16 de novembro, aqui chegando, toma conhecimento por um amigo da Politécnica, Edgar Sampaio, da derrubada da Monarquia; e o chama para um encontro, à noite, na casa do tio, Major Frederico Sólon Sampaio Ribeiro, ocasião em que conhece Ana Emilia, a “Saninha”, jovem de 19 anos, filha de Sólon Ribeiro, com a qual o convidado Euclydes iría se casar no dia 10 de setembro de 1890. 

Consegue retornar ao Exército, com o apoio do major Sólon, que pediu sua integração ao então Ministro da Guerra, Benjamim Constant Botelho de Magalhães. Faz prova para ingresso na Escola Politécnica, prosseguindo seus estudos de engenharia.


Parceria

LivroClip a moldura digital do livro 

Projeto 100 anos sem Euclides tem parceria com o site livro clip.

O site LivroClip é a construção da primeira "Livropédia brasileira", ou seja, o uso da internet para levar os livros à sala de aula, na forma de animações, dicas de uso e fórum de debates. o objetivo maior do site é apresentar de forma dinâmica autores e obras da literatura, fazendo com que estudantes dos niveis básico, médio e superior encontrem uma nova via de acesso à leitura. Em um mundo tão cheio de informações em movimento, a literatura tem que se movimentar também para continuar viva, despertando interesse.

Em comunicado à coordenação do Projeto Euclides, Luiz Chinan, um dos criadores do Sítio, afirma a parceria então formada: Temos todo o interesse em ter uma parceria institucional com o projeto educativo-cultural "100 anos sem Euclides". O nosso projeto "Euclides da Cunha Talk Show" é um videogame baseado na obra "Os Sertões", com o objetivo de levar o livro ao conhecimento de estudantes, estimular a leitura entre os cidadãos e fornecer aos professores um instrumento pedagógico.

O projeto Euclides tem a preocupação em possibilitar o acesso à cultura por parte do grande público, seja ele estudantil ou não, e se põe ao lado do sítio livro clip nesse interesse. Em breve no sítio estará disponível o Euclides Talk Show, clipe que apresentará a vida do consagrado autor de modo instigante e criativo.

Apresentação

Seminário Internacional "100 anos sem Euclides".

O Seminário "100 Anos Sem Euclides" tem a proposta de reunir, em Cantagalo (RJ), pesquisadores e especialistas sobre a obra de Euclides da Cunha. Foram convidados a participar do evento renomados acadêmicos, professores e estudantes de diversos níveis de ensino, em três dias de trabalhos (25, 26 e 27 de setembro de 2009), numa perspectiva de debate interdisciplinar entre as diversas áreas de pesquisa e os diversos parceiros envolvidos na execução do projeto. A ideia é tecer redes de estudo e leitura sobre História social, cultural e política do Brasil no período compreendido entre o Segundo Reinado e a Primeira República, Cultura política e Crítica textual, acatando todas as demais contribuições que porventura vierem se somar aos propósitos de pluralidade e participação criativa dos trabalhos. O evento terá a estrutura básica de um seminário, com conferências, mesas redondas e comunicações, bem como envolverá atividades "satélites" de cunho cultural, artístico e educativo, com inscrições abertas à comunidade acadêmica e escolar. Conferirá certificado de participação aos ouvintes e certificado de apresentação de trabalho aos estudiosos.